A declaração de Knox é extremamente parecida com a do apóstolo Paulo, o qual reconheceu abertamente uma luta pessoal com a natureza do pecado: "Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, mesmo querendo eu fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (Romanos 7:14-24).
Paulo afirma em sua carta aos Romanos que havia algo "nos membros" do seu corpo que ele chama de "minha carne", a qual produziu dificuldade em sua vida cristã e fez dele um prisioneiro do pecado. Martinho Lutero, em seu prefácio ao livro de Romanos, comentou sobre o uso de Paulo de "carne": "Tu não deves entender 'carne', portanto, como se 'carne' fosse apenas aquilo que está ligado com a falta de castidade, mas São Paulo usa 'carne' para se referir a todo o homem, corpo, alma, razão e todas as suas faculdades, porque tudo o que está nele anseia e luta segundo a carne." Os comentários de Lutero salientam que "carne" equivale a afetos e desejos que são contrários a Deus, não só na área da atividade sexual, mas em todas as áreas da vida.
Obter uma sólida compreensão do termo "carne" requer o exame de seu uso e definição na Escritura, como se manifesta na vida dos crentes e descrentes, as consequências que produz e como pode vir a ser superada.
A Definição de "Carne"
A palavra grega para "carne" no Novo Testamento é sarx, um termo que pode muitas vezes nas Escrituras referir-se ao corpo físico. No entanto, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (léxico grego-inglês) descreve a palavra desta forma: "o corpo físico que funciona como uma entidade; no pensamento de Paulo especialmente, todas as partes do corpo constituem uma totalidade conhecida como carne, a qual é dominada pelo pecado a tal ponto que onde quer que a carne esteja, todas as formas de pecado estão igualmente presentes e nenhuma coisa boa pode viver."
A Bíblia deixa claro que a humanidade não começou assim. O livro de Gênesis diz que a humanidade foi criada originalmente boa e perfeita: "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.... Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou" (Gênesis 1:26-27). Porque Deus é perfeito, e porque um efeito sempre representa a sua causa em essência [isto é, um Deus totalmente bom só pode criar coisas boas, ou como Jesus disse: "Uma árvore boa não pode dar maus frutos" (Mateus 7:18)], Adão e Eva foram criados bons e sem pecado. Entretanto, quando Adão e Eva pecaram, sua natureza foi corrompida e repassada aos seus descendentes: "Adão viveu cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e pôs-lhe o nome de Sete" (Gênesis 5:3, ênfase adicionada).
O fato da natureza pecaminosa é ensinado em muitos lugares na Escritura, como a declaração de Davi: "Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado me concedeu minha mãe" (Salmo 51:5). Davi não quer dizer que foi o produto de um caso de adultério, mas que seus pais passaram uma natureza pecaminosa para ele. Na teologia, isso é às vezes chamado da visão "traduciana" (do termo latino que significa "de um ramo") da natureza humana. A visão traduciana é que a alma de uma pessoa é criada através de seus pais, com a criança herdando a sua natureza pecaminosa no processo.
A visão bíblica da natureza humana difere da filosofia grega em que a Escritura diz que a natureza física e espiritual da humanidade era originalmente boa. Por outro lado, filósofos como Platão viram um dualismo ou dicotomia na humanidade. Tal pensamento eventualmente produziu uma teoria de que o corpo (o físico) era ruim, mas o espírito de uma pessoa era bom. Este ensinamento influenciou grupos como os gnósticos, os quais acreditavam que o mundo físico foi erroneamente criado por um semi-deus chamado de "Demiurgo". Os gnósticos se opuseram à doutrina da encarnação de Cristo porque acreditavam que Deus nunca tomaria uma forma física, já que o corpo era mal. O apóstolo João encontrou uma forma de este ensino em seus dias e advertiu contra ele: "Amados, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo. Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não é de Deus; mas é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que havia de vir; e agora já está no mundo" (1 João 4:1-3).
Além disso, os gnósticos ensinavam que não importava o que uma pessoa fazia em seu corpo, uma vez que o espírito era tudo que importava. Este dualismo platônico teve o mesmo efeito no século primeiro como tem hoje - leva ao ascetismo ou à licenciosidade, ambos os quais a Bíblia condena (Colossenses 2:23; Judas 4).
Assim, ao contrário do pensamento grego, a Bíblia diz que a natureza da humanidade, tanto no plano físico quanto no espiritual, era boa, mas ambos foram prejudicados pelo pecado. O resultado final do pecado é uma natureza muitas vezes mencionada como a "carne" na Escritura - algo que se opõe a Deus e busca a satisfação pecaminosa. O pastor Mark Bubek define a carne desta forma: "A carne é uma lei embutida para o fracasso, o que torna impossível que o homem natural agrade ou sirva a Deus. É uma força interior compulsiva herdada da queda do homem, a qual se expressa em rebelião geral e específica contra Deus e Sua justiça. A carne nunca pode ser reformada ou melhorada. A única esperança para escapar da lei da carne é a sua execução total e substituição por uma nova vida no Senhor Jesus Cristo."
A Manifestação e Luta contra a Carne
Como é que a carne se manifesta em seres humanos? A Bíblia responde a essa questão desta forma: "Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus" (Gálatas 5:19-21).
Os exemplos da influência da carne no mundo são evidentes. Considere alguns fatos tristes tomados de uma pesquisa recente sobre o efeito da pornografia nos Estados Unidos. Segundo o estudo, a cada segundo nos EUA:
• US $ 3,075.64 estão sendo gastos em pornografia
• 28.258 usuários de internet estão vendo pornografia
• 372 usuários de Internet estão digitando termos adultos em sites de busca
E a cada 39 minutos, um novo vídeo pornográfico está sendo criado nos Estados Unidos. Tais estatísticas confirmam a declaração feita pelo profeta Jeremias, o qual lamentou que "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o poderá conhecer?" (Jeremias 17:9).
As Consequências da Carne
A Bíblia diz que viver na carne produz uma série de consequências infelizes. Primeiro, a Escritura afirma que aqueles que vivem segundo a carne e que nunca desejam mudar ou se arrepender de seu comportamento pecaminoso vão experimentar a separação de Deus, tanto nesta vida quanto na próxima:
• "E que fruto tínheis então das coisas de que agora vos envergonhais? pois o fim delas é a morte" (Romanos 6:21).
• "porque se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis" (Romanos 8:13).
• "Não vos enganeis; Deus não se deixa escarnecer; pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque quem semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas quem semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna" (Gálatas 6:7-8).
Além disso, uma pessoa também se torna um/a escravo/a de sua natureza carnal: "Não sabeis que daquele a quem vos apresentais como servos para lhe obedecer, sois servos desse mesmo a quem obedeceis, seja do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça?" (Romanos 6:16). A escravidão sempre leva a um estilo de vida destrutivo e de vida deteriorada. Como o profeta Oseias disse: "Porquanto semeiam o vento, hão de ceifar o turbilhão; não haverá seara, a erva não dará farinha; se a der, tragá-la-ão os estrangeiros" (Oseias 8:7).
No fim das contas, obedecer à carne sempre resulta em quebrar a lei moral de Deus. No entanto, em um sentido muito real, uma pessoa nunca pode quebrar a lei moral de Deus, embora certamente possa desobedecê-la. Por exemplo, uma pessoa pode subir em um telhado, amarrar uma capa ao redor de seu pescoço e pular do telhado na esperança de quebrar a lei da gravidade. No entanto, ele vai aprender rapidamente que não pode voar; ele não pode quebrar a lei da gravidade e a única coisa que acaba quebrando é ele mesmo, enquanto provando a lei da gravidade no processo. O mesmo é verdadeiro para as ações morais: uma pessoa pode desobedecer à lei moral de Deus através da vida carnal, mas só vai provar a lei moral de Deus ao quebrar-se de alguma forma através do seu próprio comportamento.
Superando a Carne
A Bíblia fornece um processo de três passos para a superação da carne e restauração de um relacionamento correto com Deus. O primeiro passo é uma caminhada de honestidade quando uma pessoa reconhece o seu comportamento pecaminoso diante de Deus. Isso envolve concordar com o que a Bíblia diz sobre todos os nascidos de pais humanos: as pessoas são pecadoras e entram no mundo em um relacionamento quebrado com o Deus que os criou:
• "Se tu, Senhor, observares as iniquidades, Senhor, quem subsistirá?" (Salmo 130:3)
• "Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós" (1 João 1:8, 10).
O próximo passo é uma caminhada no Espírito, o que envolve clamar a Deus para a salvação e receber o Seu Espírito Santo que capacita a pessoa a viver corretamente diante de Deus e não obedecer aos desejos da carne. Essa transformação e nova caminhada de vida são descritos em vários lugares na Escritura:
• “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim" (Gálatas 2:20).
• "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus." (Romanos 6:11)
• "Digo, porém: Andai pelo Espírito, e não haveis de cumprir a cobiça da carne." (Gálatas 5:16)
• "Porque todos quantos fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo.” (Gálatas 3:27)
• "Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo; e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências." (Romanos 13:14)
• "E não vos embriagueis com vinho, no qual há devassidão, mas enchei-vos do Espírito." (Efésios 5:18)
• "Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti." (Salmo 119:11)
O último passo é uma caminhada da morte, onde a carne é tão carente de seus desejos que eventualmente morre. Mesmo que uma pessoa nasça de novo através do Espírito de Deus, ela deve entender que ainda possui a natureza velha com os seus desejos que lutam com a nova natureza e os desejos que vêm do Espírito. Do ponto de vista prático, o cristão propositadamente evita alimentar a natureza velha e carnal e, ao invés, pratica novos comportamentos que são conduzidos pelo Espírito:
• "Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão." (1 Timóteo 6:11)
• “Foge também das paixões da mocidade, e segue a justiça, a fé, o amor, a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor." (2 Timóteo 2:22)
• "Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado." (1 Coríntios 9:27)
• "Exterminai, pois, as vossas inclinações carnais; a prostituição, a impureza, a paixão, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria." (Colossenses 3:5)
• "E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências." (Gálatas 5:24)
• "sabendo isto, que o nosso homem velho foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado fosse desfeito, a fim de não servirmos mais ao pecado." (Romanos 6:6)
• "Mas vós não aprendestes assim a Cristo. se é que o ouvistes, e nele fostes instruídos, conforme é a verdade em Jesus, a despojar-vos, quanto ao procedimento anterior, do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; a vos renovar no espírito da vossa mente; e a vos revestir do novo homem, que segundo Deus foi criado em verdadeira justiça e santidade." (Efésios 4:20-24)
Conclusão
Susana Wesley, mãe de John e Charles Wesley, dois grandes pregadores e escritores de hino, descreveu o pecado e a carne desta forma: "Tudo que enfraquece o seu raciocínio, prejudica a ternura de sua consciência, obscurece o seu sentido de Deus ou tira o seu prazer por coisas espirituais, em suma - se qualquer coisa aumenta a autoridade e o poder da carne sobre o Espírito, isso para você se torna pecado independentemente de quão bom seja em si." Um dos objetivos da vida cristã é a vitória do Espírito sobre a carne e uma mudança de vida que se manifesta na vida justa diante de Deus.
Embora a luta seja muito real (o que a Bíblia deixa claro), os cristãos têm a garantia de Deus de que Ele vai eventualmente dar vitória sobre a carne. "Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" (Filipenses 1:6).
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